sábado, 19 de julho de 2008

Foucault e a homossexualidade - Parte 1

Um dos principais filósofos do século XX não só era gay, mas também foi responsável por revoluções profundas no pensamento ocidental. Michel Foucault é, até hoje, 23 anos após sua morte, um dos principais nomes citados nas discussões sobre gênero, sexualidade e poder.

Foucault nasceu em 1926 e morreu em 1984, vítima de complicações provocadas pelo HIV/aids. Seu trabalho desenvolveu-se dentro do chamado pós-estruturalismo, corrente que defende a inexistência de verdades absolutas e considera a linguagem como instrumento que cria a realidade.


Palavras e poder

Desde o início, o pensamento de Foucault voltou-se para a linguagem e sua capacidade de colocar ordem no mundo. Mais ainda, as palavras são capazes de estabelecer relações de poder.Para Foucault, o poder não está localizado em instituições estanques como os Estados ou em pessoas específicas como os governantes. O poder, ao contrário, dissolve-se na teia social e nas relações – qualquer uma delas – que as pessoas estabelecem entre si. Por isso, é impossível pensar um sujeito sem poder. Também é impossível aceitar a idéia marxista do proletariado tomando o poder da burguesia – afinal, o poder está em todo o lugar. Nessa perspectiva, o poder é uma relação de forças que está em todas as partes, atravessando todas as pessoas. Para Foucault, o poder não somente reprime, mas também produz efeitos de verdade e saber, constituindo verdades, práticas e subjetividades. As palavras, no caso, servem para criar discursos que justificam a prática do poder e a dominação.
Parece complicado, mas não é. Pense no que acontece quando você fica doente. Quem é a autoridade capaz de falar sobre seu estado de saúde? O médico. Por quê? Porque socialmente há um discurso que legitima a autoridade médica. Além disso, esse discurso produz um "efeito de verdade", ou seja, é aceito como mais verdadeiro, face outras possibilidades de interpretação (uma benzedeira, um pajé ou uma anciã teriam outras visões sobre o processo saúde-doença). Mais ainda, o discurso médico determina a ação, já que o tratamento será seguido de acordo com as palavras do médico. Por esse exemplo, podemos pensar: mas isso não é bom? Afinal, o saber científico não é um avanço na civilização, que cura doenças e acaba com o sofrimento de milhões de pessoas? Em parte, sim. No entanto, Foucault revela que a ciência é, ela mesma, um discurso (palavras) que gera uma verdade sobre as coisas. Mas é somente uma verdade possível.

Quem acompanha a situação das transexuais hoje consegue entender bem isso. Até o momento, a transexualidade é considerada uma doença no discurso médico, a chamada "disforia de gênero". Parte do movimento transexual aceita a condição de "doente" e, por isso, exige tratamento médico gratuito, uma vez que esses sujeitos foram "vítimas" de um mal que os acometeu. Nasceram com o sexo trocado, assim como alguns nascem com diabetes ou má formação de órgãos. Outra parte do movimento trans, no entanto, discorda dessa interpretação e pede que a adequação genital seja baseada no princípio da dignidade humana (no Brasil, defendido pela Constituição). Ou seja, o médico não vai tratar porque são doentes, e sim porque querem que seus genitais reflitam suas mentes. Nesse sentido, um/uma transexual não "muda de sexo". E, também, é possível pensar que há transexuais que preferem continuar com seus genitais inalterados cirurgicamente – questão essa que ainda é polêmica no movimento GLBT.
Ora, percebemos portanto como o discurso constrói realidades e legitima certas práticas. A homossexualidade no discurso médico, até pouco tempo, também era doença e podia ser tratada. E no discurso jurídico continua sendo crime passível de pena de morte (se eles soubessem o que estão perdendo iriam querer morrer disso !rs) em nove países do mundo. Esses exemplos tornam nítidas as relações entre palavras e poder, discurso e verdade, explicadas por Foucault.

Genealogia e homossexualidade

Para chegar a essas conclusões, Foucault percorreu um longo caminho, realizando pesquisas que
ficam no limite entre a história, a antropologia, a sociologia e a filosofia. Estabeleceu um método por ele chamado de "genealógico" que parte de estudos históricos, mas não busca uma origem única e causa dos fatos. Estudou o poder disciplinar, a loucura e a sexualidade.
Em História da Loucura, ele mostra como os "loucos" são excluídos e confinados porque não se encaixam no processo produtivo. A "verdade" do discurso psiquiátrico serviu para isolá-los. Em Vigiar e punir, Foucault expõe como a prisão e o sistema disciplinar nas escolas serve para tornar os corpos dóceis (gente, adorei esse negócio de tornar corpos dóceis !), bem integrados socialmente e assujeitados ao poder dominante.
Mas é em História da sexualidade, obra que deixou incompleta, que Foucault mostra como é possível não se sujeitar aos poderes estabelecidos e legitimados pelos discursos dominantes. Nesse trabalho, Foucault defende que quanto mais falamos sobre sexo, mais o reprimimos. Isso porque criamos esquemas que julgam e comparam as práticas sexuais.

No entanto, a homossexualidade pode ser uma forma da pessoa se afirmar fora do discurso dominante. Em entrevista para a revista gay francesa Gai Pied, em 1981, Foucault diz: "É preciso desconfiar da tendência de levar a questão da homossexualidade para o problema 'Quem sou eu? Qual o segredo do meu desejo?' Quem sabe, seria melhor perguntar: 'Quais relações podem ser estabelecidas, inventadas, multiplicadas, moduladas através da homossexualidade?'. O problema não é descobrir em si a verdade sobre seu sexo, mas, para além disso, usar de sua sexualidade para chegar a uma multiplicidade de relações. E isso, sem dúvida, é a razão pela qual a homossexualidade não é uma forma de desejo, mas algo de desejável. Temos que nos esforçar em nos tornar homossexuais e não nos obstinarmos em reconhecer que o somos. Isso para onde caminha os desenvolvimentos do problema da homossexualidade é o problema da amizade".

Ou seja, Foucault indica como a homossexualidade pode ser transformadora, ao afirmar um cuidado de si que é alheio ao heterossexismo dominante. Diz Foucault: "Tão longe quanto me recordo, desejar rapazes é desejar relações com rapazes. E isso foi sempre, para mim, algo importante. Não forçosamente sob a forma do casal, mas como uma questão de existência: Como é possível para homens estarem juntos? Viver juntos, compartilhar seus tempos, suas refeições, seus quartos, seus lazeres, suas aflições, seu saber, suas confidências? O que é isso de estar entre homens nus, fora das relações institucionais, de família, de profissão, de companheirismo obrigatório? É um desejo, uma inquietação, um desejo-inquietação que existe em muitas pessoas". A amizade é a tônica das relações homossexuais para Foucault.

continua.....

7 comentários:

. disse...

Cara nuiito massa isso aii sobre o que foucalt descreve!
concordo plenamente com ele
\o/
www.fotolog.com/r0m3r0

Unknown disse...

Os argumentos acima dissertados cumprem o papel de colocar Foucault como o filósofo do século, dado, entre outros fatores, da pluralidade intelectual do autor.

Tânia Marques disse...

Amo Michel Foucault, farei meu Mestrado em Estudos Culturais. Se permitires, gostaria de levar, com os devidos créditos, é claro, esse post para um dos meus blogs. Obrigada. Tânia

Tânia Marques disse...

Permites que eu leve o post? Vou colocá-lo nos Estudos Culturais em Educação http://wwwestudosculturaisemeducacao.blogspot.com (não tem ponto após www).
Sabe como é, adoro escrever, só tenho oito blogs.rsrsrsrs
Tem um selinho para o seu blog lá no Palavras e Imagens (www.marquesiano.blogspot.com): uma homenagem ao Dia do Blogueiro
Desejo que consigas atualizar mais frequentemente o seu blog, pois suas palavras são importantes para a construção de um mundo melhor.
Bj.

Debbie Seravat disse...

Olá!
Procurando material sobre homossexualidade, cheguei em seu blog e amei ler Foucault.
Posso usar como fonte de pesquisa para a minha monografia este espaço?
Obrigada.

" O PIMENTA ! " disse...

Débora, é claro que pode ! Fico super lisonjeado e feliz de saber que este mero passatempo meu contribui de forma tão grandiosa pra você ! Sucesso na monografia !

Anônimo disse...

olá tenho 15 anos e estava procurando material sobre homossexualidade,para um debate na aula d filosofia,e isso me ajudou muito....muito obrigado !!!!