segunda-feira, 30 de março de 2009

O bofe é sempre a bicha do outro

Então pessoal, passei por umas paradas punk aí na minha vida, mas resolvi não abandonar esse espaço que acho bacana demais , graças a amigos que também fiz aqui, por isso resolvi postar esse texto "tudo de bom" que encontrei no site MundoMais ! O texto vale muito a pena ser lido, pois nos faz pensar sobre a cultura do nosso meio....espero que curtam!!!
Forte abraço

O bofe é sempre a bicha do outroO tipo efeminado é abominado e o tipo macho é a procura do elo perdido para muitos gays, que procuram relacionamento amoroso ou apenas sexo

por Valmir Costa

Paira no imaginário social a imagem do macho. Muitas vezes como estereótipo de jeitos brutos, que senta arreganhado, que coça o saco em público sem pudor, que cospe longe, que fale grosso e por aí vai. O Dicionário Houaiss, entre outras definições, diz que o macho é tudo “relativo a ou o próprio sexo masculino, com características próprias do homem, como energia, força, virilidade; másculo”. Mais do que as definições do que é ser macho é saber como estes conceitos são construídos no social. São as relações de gênero, que envolve o tipo masculino e o feminino e suas construções sociais a partir do sexo biológico.

Muito embora o gênero homossexual seja mais livre de convenções quanto ao tipo masculino, é exigido que gays tenham conduta e papel masculinos. É comum gays procurarem tipos masculinos, seja ele efeminado ou não. Apresentam-se em anúncios de sites de relacionamento como “machos”, “homens de verdade”, “sarados”. Procuram pessoas com características iguais e rejeitam os efeminados.

Alguns gays não fazem tal seleção. É o caso do estudante universitário Rafael, 21, de São Paulo. Ele é incisivo. “Gosto de homem e ponto! Para ele, o homem tem que ser seguro de si e que um gay efeminado pode lhe atrair. “Eu gosto de comer efeminado”, diz sem titubeio. “Eles me atraem sempre, mas sempre neste sentido”, diz. Para ele, afetivamente rolaria um namoro, pois, quando se trata de afetividade, é idiota fazer tal distinção. “Não namorar é um pseudo-preconceito”, diz. Rafael já namorou um efeminado por três meses quando tinha 18 anos e o namorado 23. “Eu sou machão quando estou comendo alguém. Pelo menos gosto de pensar assim”, ri.

Ele também não se vê como efeminado. “Acho que um hétero diria que pareço um hétero sensível, ou seja, um viado que foge do estereótipo, mas continua viado”. É ai que entra a questão de ser sensível. O tipo machão rejeita este adjetivo. Ele parece ir muito além da relação atividade/passividade e também do tipo que cria dele próprio. É o caso do ator Alexandre Frota, que já foi capas de revistas gays, já beijou homem, transou com travesti e ainda cultiva o tipo pitboy de ser, ou seja, o machão. Tem que ser o macho rude?

Sexualmente e afetivamente, Rafael diz que os dois tipos lhe atraem. No entanto, confessa que, quando o outro é másculo, sua vontade é de ser o passivo, mas sem ser uma conta exata. “Se estou bem envolvido, provavelmente serei versátil total”, afiança. O jornalista S.C., 30 anos, do Recife, não tem um tipo de gay que ele prefira. “Depende do dia”, diz. Mas se tiver um tipo físico especifico, ele arrisca um. “Corpo legal ou magrinho, branquinho, cabelo preto, que fale muito, que tenha autoconfiança e seja inteligente e me faça rir. Pronto?”, diz SC. Como se vê, o jornalista extrapola o tipo físico ao da personalidade. Quanto ao tipo “macho” de ser, ele afirma que é um tipo construído e que faz despertar confiança, que se admira ou algo assim.

Ele é gay? Nem parece... – Nesta história do ser gay e ter jeito de macho, muitos fazem comentários do tipo “ele é gay, mas não parece”. Isso já ocorreu e ocorre com Rafael. “Mas cada vez menos”, sorri. Para ele, as pessoas parecem querer elogiar com tal comentário. “Mas não me sinto elogiado de fato”, conta. Por sua vez, quando o assunto é o gay que se diz macho, vangloriando-se em detrimento dos outros gays, S.C. é pragmático. “Conheço gente assim. Eu acho sem criatividade. É pura ilusão isso. Se bem que sexo é pura ilusão”, comenta e gargalha.

Para Rafael, o que importa é o comportamento do gay. O que não lhe agrada são os gays preconceituosos que se acham héteros e bicha escandalosa que ''causa''. “Em outras palavras, gente sem educação e deselegante me broxa sempre”, comenta. No entanto, Rafael pára para questionar. “Não sei por que os gays associam todo tipo de afeminado ao tipo escandaloso? Acho porque são boçais mesmo”. Este tipo da bicha “fechativa” também é uma construção social do meio gay.

O brasilianista James Green, no livro Além do Carnaval: a homossexualidade masculina no Brasil do século XX, faz um extenso levantamento da vivência homossexual no Brasil e aponta alguns estereótipos da década de 60, construídos e aceitos por muitos gays. Quando se assumiam, eles incorporavam trejeitos femininos na sua concepção de gênero. Estes eram chamados de “bonecas”. Por outro lado, ele aponta alguns “homens verdadeiros” ou “bofes”, que mantinham relações sexuais com as “bonecas”, postura viril e eram casados ou tinham namoradas. No entanto, estes não se consideravam gays.

Green avalia que dentro desse mundo de bofes e bonecas, a idéia de duas bichas praticando sexo era tão repugnante para as bonecas quanto era intensa a aversão da maioria da população ao comportamento homossexual em geral. Quando dois homens reconheciam que ambos eram homossexuais e queriam ter relações sexuais com o outro, isso era incompreensível para muitas “bonecas”. Esse modelo era um consenso dentro e fora do grupo homossexual daquela época.

Fora do Meio – Do reprimido, também nasceu a cultura gay quando a indústria de consumo e do entretenimento descobriu este filão. Antes era o mundo do gueto, da subcultura. Quem freqüentava o gueto, vivia às escuras. Com essa abertura de lugares de freqüência gay como bares e boates, a década de 90 criou a expressão “fora do meio”, mais numa relação de afirmação do “não ser efeminado ou de ser “macho”.

Muitos gays, para se tornarem mais machos, abominam o meio gay. “O que me irrita é esse pensamento de que há algum problema em freqüentar o meio”, esbraveja Rafael. Ele diz que tem um amigo que rejeita quem freqüente lugar gay, mas vai. “Quem é gay saca que ele é, mas ele acha que não”, conta. De acordo com Rafael, seu amigo adora um “teenzinho”. “A idéia do teen que ele está azarando nunca ter pisado numa balada gay dá uma idéia de uma coisa meio imaculada, sabe?”, diz

É nesta bipolaridade dentro/fora, másculo/efeminado, perto/longe que se constitui o mundo gay. Vai depender do lado de proximidade/distância que um vê o outro. A bicha é o “Eu” ou o amigo próximo a “mim”. No sentido de proximidade afetiva e sexual, o bofe sempre vai ser o “outro”. Tudo depende do lugar em que cada um se coloca. Se um gay tem um namorado, tal namorado vai ocupar a posição do “bofe” tanto para o namorado como para seus amigos. Já este namorado pode ser a bicha no seu núcleo de amizade. Resumindo: O bofe é sempre a bicha do outro, ainda que seja uma forma de brincadeira ou deboche.


Coisa de Mulherzinha? – Rafael conta que já foi chamado de “mulherzinha” na escola. “Mulherzinha era o menor dos xingamentos. Já apanhei na escola por ser gay”. Ele não sabe se tal agressão vinha do seu “jeito” de ser. “Acho que porque eu me isolava, era o primeiro da classe, nunca pegava menina nenhuma e nem demonstrava interesse em pegar. De certa forma, a minha postura era de quem se achava um palmo acima dos outros”, acha

Sobre esse suposto jeito de ser gay, Rafael concorda em um ponto. “Talvez alguma coisa no meu jeito me entregava”. Por outro lado, ele diz que na época da escola não tinha contato com isso que chamam de “mundo” ou “meio” gay. “Existe um jeito de ser gay, mas esse jeito de ser fica evidente mesmo quando o gay entra em contato com outros gays. Naquela época, não era o caso”.

Sobre o jeito viado de ser ele dispara. “Eu não sei bem que ''jeito'' é esse. Mas, com certeza, os meninos héteros da primeira série sacaram que eu era gay bem antes de mim”, gargalha. Para o psicólogo João Furtado, esta é uma construção social que permeia a infância que coloca os meninos em relação às meninas. É uma coisa da disputa. Geralmente, os meninos que na fase adulta, quando a sexualidade aflora, se orienta gay, na infância está mais próximo das meninas. “Isso causa certa inveja nos meninos, que procuram taxar tal pessoa de forma pejorativa. Chamar de gay é a primeira coisa”, observa.

Foi o que aconteceu com Rafael. Ele comenta que pode ser muito mais de um “jeito de ser” que vão além. “Eu só andava com as meninas porque me sentia mais à vontade com elas”, recorda. No entanto, ele diz não saber explicar o motivo. “Até porque hoje não tenho tantas amigas assim. Tenho mais amigos. Todos bibas”, sorri. De acordo com Furtado isso ocorre mais por uma questão de identificação e não de identidade. “Não que alguém na infância tenha a identidade feminina. Isso até pode acontecer, mas é a identificação com um grupo que não o oprime. Naquele grupo de meninas, o garoto gay se sente protegido”, esclarece o psicólogo.

Macho e músculo – Já o cientista brasileiro C. Commotion, 43, que mora na Austrália, é mais contundente quanto ao tipo de homem que gosta: dotado masculino. “Perdôo tudo se o pau for grande, menos sobrancelha tirada”, diz. Quanto a esse tipo de “macho” no meio gay ele diz que tudo passa pelos músculos. “Basicamente a macheza tem um erro associado que é o desenvolvimento de músculos. Macheza não é músculo e muito menos carão”. C. Commotion avalia o tipo “barbie” de ser. “Quanto mais bombado, mais macho e belo se sente”, dispara.

Isso já aconteceu com Rafael. Segundo ele, muitos caras diziam ter tipo macho. Mas eles eram tão machos quanto diziam ao vivo? “Geralmente só musculosos, mas com roupinhas de grife, perfume forte, CD da Cher no carro. Quase todos tinham alguma coisa no jeito que fazia meu ‘gaydar’ apitar horrores”, diz Rafael. Já C. Commotion coloca a masculinidade fora do estereótipo da beleza. “Acho a feiúra masculinizante”, conta. Quanto a esse tipo de busca de gays por um tipo “másculo”, ele é mais condescendente.

Segundo ele, o que muita gente busca é a ilusão de estar transando com um hétero. “Se não for ilusão, melhor ainda”, diz. Mas isso depende muito do terreno onde habita esse “macho”. É o que pensa C. Commotion. “Isso no campo do sexo, no campo afetivo tudo muda”, observa. Desde a teoria evolucionista de Darwin, que o homem vem se transformando. Porém, é o lado mais primitivo do homem que é valorizado. Algo contraditório. É fato! Inclusive entre os gays. C. Commotion é adepto ao lado primitivo do masculino, ainda que ele seja gay. “O mundo gay é a masculinidade levada ao extremo. 99,9% dos anúncios e perfis pedem por não afeminados”, observa.

É para casar? – Certos tipos gays de ser ou não revela uma dualidade no pensamento de alguns. O primeiro deles é o “sexual” e o outro o “afetivo”. O sonho do príncipe encantado faz parte do imaginário. No entanto, no meio gay, ele parece ter que vir com esse bônus track, ou seja, o de ser macho. A afetividade e o conceito do gay querer sempre o cara com jeito de macho é o fato de muitos estarem sozinhos, ou seria outra coisa? Para o psicólogo João Furtado existe muito este tipo de ilusão.

Não apenas num tipo másculo de ser, mas de ser bonito, ter vida financeira estável, entre outras coisas. “Os que não têm estes requisitos são desprezados ou usados como objeto de desejo na realização sexual”, comenta. Para o cientista C. Commotion, a questão da solidão de forma ampla, que inclui os héteros e diz que todo mundo está sozinho porque o sexo é importante. Por outro lado, ele aponta o sexo como mais valia entre os gays. “No mundo gay, além de superimportante, é fácil. Então não se quer abandonar o prazer em grande quantidade para dividir a vida com alguém”, afirma.

C. Commotion tem um relacionamento estável e aberto há 10 anos com o seu companheiro. Para ele, o próximo passo na evolução é sacar que dividir a vida com alguém não significa acabar com a alegria da diversidade física. “Chega de imitar os casais héteros”, apregoa. Ele explica que, claro, deve ser combinado entre as partes e que esta é uma das formas de ser feliz. “No meu caso, tenho uma relação estável e não me sinto disponível para nada que não sejam alegria e diversão física fora da relação”, diz.


Quanto aos perfis dos sites de relacionamento nos quais os gays se descrevem como machos e descartam os efeminados, muitos já levaram mona por bofe. “Saindo do virtual, todo mundo é macho e afeminado. O importante é ser interessante. Isso no esquema de procurar alguém no sentido mais afetivo”, diz C. Commotion. Se for para sexo casual, ele é prático. “Se o lance for mais genital, tem muitos lugares onde as pessoas se escolhem e se divertem só pelo corpo. É só ter noção. Não procurar romance numa orgia, por exemplo”, aconselha.

Uma ótima semana a todos !!

"Você pode buscar a Paz em qualquer lugar; Mas só irá encontrá-la na verdade da qual está fugindo." - Sidarta Gautama (buda)